Entrevista com o Dr. Álvaro Luiz Lage Alves – criador da aprimoração de uma técnica para controlar a Hemorragia Pós-parto

20/02/2020

Álvaro Luiz Lage Alves

O Ginecologista e Obstetra Álvaro Luiz Lage Alves é o criador do Balão Intrauterino (BIU) artesanal de Alves – uma técnica que permite o controle da Hemorragia Pós-parto (HPP). Na sua Tese de doutorado intitulada “Avaliação de diferentes técnicas cirúrgicas na abordagem da Hemorragia Pós-Parto com ou sem preservação uterina”, ele analisa tanto o BIU de Alves, quanto a Técnica Barbosa da Silva (TBS) de Sutura Uterina Compressiva (SUC) – elaborada pelo Dr. Lucas Barbosa da Silva, instrutor do curso FCCS OB.

Ambas as técnicas aprimoraram práticas e invenções existentes, com o intuito de facilitar a execução de práticas já descritas. Tanto o BIU de Alves, quanto a TBS são técnicas de segunda linha e devem ser usadas após o tratamento farmacológico. Na maioria dos casos de hemorragia não é necessário usar essas técnicas.

Em entrevista concedida na maternidade Sofia Feldman, ele fala do processo de criação, das vantagens do BIU de Alves sobre os demais Balões artesanais, além do custo e tempo de produção. Ele também descreve a SUC idealizada pelo Dr. Lucas, instrutor da Somiti.

 

O senhor dedica a sua Tese “Avaliação de diferentes técnicas cirúrgicas na abordagem da Hemorragia Pós-Parto com ou sem preservação uterina” a todas as mulheres do Brasil e do mundo vítimas da mortalidade por HPP. O senhor presenciou muitas dessas mortes? Alguma, em especial, te marcou?

 

Esse tipo de causa de morte, é uma causa que está aumentando no país. Ela já era alta e vem em uma ascendência que é marcante em vários locais do país. Aqui em Minas Gerais essas mortes estão ocupando a primeira posição no grupo de causas mortes maternas desde 2014. Como eu trabalho em locais de referência – a vida toda eu trabalhei no Sistema Único de Saúde e em maternidades de referência – eu convivi com vários quadros de morte materna por hemorragia. A maioria delas eram mortes evitáveis. Comigo, especificamente, teve um caso que me marcou. Era um caso difícil, que nós não conseguimos êxito em evitar uma morte. Era um caso da doença de von Willebrand – que é uma doença grave – que impõe uma hemorragia mais grave e de difícil controle.

Hemorragia Pós-parto

Como foi o processo de desenvolvimento do Balão Artesanal de Alves?

 

Os Balões Artesanais já existem desde a década de 80. O processo do nosso Balão foi vinculado com a questão de tentar melhorar os desenhos dos Balões anteriores. Por exemplo, o Balão artesanal mais usado e difundido do mundo tem uma limitação: ele não possui sistema de drenagem do sangue.

Como os Balões industrializados já são fabricados com um sistema de drenagem de sangue, e como sabemos que a drenagem mostra mais rápido se o Balão está sendo eficiente para controlar a hemorragia, e, além disso, impede que aconteça um acúmulo de sangue acima do Balão, o que pode deslocar o Balão do útero, nós tivemos a preocupação de pensar um forma mais eficaz de fabricar um Balão artesanal.

 

Quais as vantagens do Balão Artesanal de Alves em relação aos demais?

 

Já existia um Balão artesanal com drenagem, mas feito com Sonda de Foley. Nesse caso, um único eixo é usado para fazer a drenagem e a infusão do soro para dentro do Balão. Embora seja eficiente, nesse tipo de Balão é necessário abrir o preservativo. Além disso, a Sonda de Foley – por ser um dispositivo mais flexível – dificulta as amarras. Se o profissional não tiver um controle maior para fazer os nós que prendem o preservativo na sonda, as amarras podem ficar apertadas ou frouxas.

A ideia que tivemos foi usar a Sonda Nasogástrica, por ser mais rígida, maior, mais calibrosa e mais fácil de fazer a infusão do soro para dentro do preservativo. O Balão que criamos tem um sistema de drenagem separado do eixo que tem o Balão. Essa é uma diferença importante porque, feito com Sonda Nasogástrica, a infusão do soro é mais fácil e a drenagem sai separada do eixo do Balão. A sonda Nasogástrica está livre, ao lado do próprio Balão, e conectada em um coletor de urina para fazer a drenagem sanguínea e mostrar mais rápido o sucesso do Balão.

E, além disso, nós utilizamos três preservativos ao invés de um só. A espessura dos Balões industrializados é maior, por isso colocamos três preservativos – um em cima do outro – para aumentar a espessura do Balão. Aumentando a espessura do Balão, supostamente, ele se adapta melhor dentro do útero.

 

O seu Balão custa em torno de cinco dólares (cerca de R$ 21,91 no câmbio de hoje – 20/02/20). Quanto custa um Balão industrializado?

 

Existe uma variação de preço, porque são vários Balões industrializados. Tem o Balão de Bakri, BT-Cath, Zhukovskiy, ebb (Belfort e Dildy). São vários Balões. Até onde eu sei, é um preço que varia entre 600 e 1000 reais cada balão e eles são descartáveis. O meu é muito mais barato. É um Balão que foi feito para substituir uma ausência do Balão industrializado. Temos que enfatizar que não existe nenhum estudo que compare a eficiência do nosso Balão com os dos Balões industrializados. Não sabemos se ele é pior, se é igual, ou se é melhor. A princípio, um Balão artesanal é mais indicado em situações de ausência do Balão industrializado, até porque o processo de esterilização do preservativo não é tão perfeito quanto a esterilização industrializada.

 

Pelo custo, e pela facilidade de construção (que demora em torno de 5 minutos) ele seria melhor aplicado à realidade do SUS e em países em desenvolvimento?

 

A construção demora em torno de 5 minutos com as pessoas treinadas. Com toda certeza ele se adapta mais para países em desenvolvimento, mas também para locais que está faltando o recurso do balão industrializado.

 

O senhor sabe se o seu Balão e os demais Balões artesanais são usados também em hospitais privados?

 

Eu acredito que sim, porque nem todo hospital privado tem Balão industrializado. Talvez eu não seja a melhor pessoa para responder isso, porque eu trabalho somente em maternidades do SUS. Eu não tenho frequentado as maternidades do sistema privado para falar isso com certeza. Mas, tem muita divulgação de vídeos, de oficinas que são feitas, seja pelo Suporte Avançado de Vida Obstétrico, seja pela própria Febrasgo [Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia], pela própria Sogimig [Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia de Minas Gerais] – que são sociedade médicas que ensinam Balões artesanais nessas oficinas. Tem um vídeo disponível no Youtube que ensina o nosso Balão e que já conta com mais de 6 mil acessos. Como o vídeo tem sido acessado, é possível que hospitais privados estejam usando o Balão.

Veja o vídeo clicando aqui.

 

O senhor pretende ampliar os estudos sobre o seu Balão?

 

Sim. A princípio temos a pretensão de fazer um estudo para quantificar melhor o tempo que se gasta para montar o Balão. Isso é um prejuízo para um Balão artesanal, porque ele tem que ser montado na hora. O Balão industrializado já está pronto. Você abre a caixa e providencia a inserção no útero.

O meu Balão, ele é um pouco mais complexo que os demais Balões artesanais. Ele tem 3 amarras, enquanto os outros têm uma ou duas. O meu tem duas sondas. Por isso, queremos estudar melhor o tempo, a compreensão dos médicos e o quanto a capacitação contribui. Queremos estudar isso porque estamos recebendo um retorno de médicos que tiveram uma urgência no hospital, acessaram o vídeo, fizeram o Balão, mas que ficaram com dúvidas.

Temos treinado os profissionais na medida do possível. Atualmente eu ensino o Balão nas oficinas com os residentes do hospital [Sofia Feldman]. Não ensino coletivamente no outro hospital em que trabalho, que é o Hospital das Clínicas. Mas, sempre que tem um caso, eu procuro ensinar o residente que está comigo. Também ensino o Balão em cursos de Emergências Obstétricas.

 

A sua Tese também descreve e analisa a Técnica de Barbosa da Silva (TBS). Como funciona essa técnica?

 

Eu já conheço o Lucas há muitos anos. Ele criou essa técnica em 2010. A TBS é uma Técnica que ele associa uma Sutura Uterina Compressiva – que já tinha sido descrita antes, que é a sutura de Hayman – só que ele faz de uma forma diferente, porque ele desvasculariza o útero antes de aplicar a sutura. Antes dele aplicar a sutura, ele disseca a bexiga, identifica os ramos ascendentes das artérias uterinas e faz uma ligadura nessas artérias. Essa Técnica de ligadura das artérias também já tinha sido descrita pelo O’Leary. O que ele idealizou foi uma associação de duas técnicas. Uma técnica que desvasculariza o útero, ou seja, diminui a irrigação do útero. E outra Técnica de sutura – que originalmente é descrita sem desvascularização do útero. Essa combinação de duas técnicas, principalmente para tratar os quadros de atonia uterina, ou de acretismo – desde que o acretismo não seja muito invasivo e que seja restrito só ao corpo do útero – passou a ser feita aqui no hospital e se mostrou muito eficiente.

A minha Tese estuda justamente isso. A eficácia foi de 92,7% no controle da hemorragia com essa Técnica. Existem outros estudos que mostram que os mais diversos tipos de Sutura Uterina Compressiva quando são feitas junto com a Desvascularização Uterina aumentam a eficácia do controle da hemorragia em torno de 15%. Nós estamos difundindo a Técnica do Lucas aqui no hospital há muitos anos, é a Técnica que é mais feita quando se precisa de um controle hemorrágico por sutura durante uma cesariana. É a Técnica que recomendamos desde que seja um sangramento do corpo ou fundo uterino.

Comparação de Técnicas de combate a Hemorragia Pós-parto

Vocês já tiveram a oportunidade de associar a Técnica do Dr. Lucas com o seu Balão artesanal?

 

Essa pergunta é boa. Isso se chama Técnica do Sanduíche Uterino. Com o meu Balão nós nunca fizemos. Que eu me lembre não.

 

A entrevista começou com uma pergunta sobre as mulheres que morreram por HPP. Mas, e quanto as que sobreviveram devido a técnica que o senhor desenvolveu? O que o senhor sente sobre isso?

 

Eu me sinto muito bem! Eu sinto uma felicidade por ter tido a ideia para superar as nossas dificuldades no Sistema Único de Saúde e poder contribuir para outras pessoas salvarem vidas. Quando eu recebo o retorno de um colega – e isso tem acontecido – que usou o Balão, que deu certo, que salvou mais uma vida, é uma sensação de dever cumprido enquanto médico e enquanto pesquisador. É isso.