Artigo: Remédio para a saúde

15/12/2016

Do início até a década de 90 do século XX, o mundo discutia quem era mais diabólico: capitalismo ou comunismo. Mas foi um país nórdico banhado pelas ideias dos ingleses Beatrice e Sidney Webb que logrou criar a forma de governo mais próxima do paraíso na terra. E conseguiu se nutrir dos dois opostos. A Suécia foi o modelo mais bem-acabado de estado de bem-estar social predominante na Europa após a Segunda Guerra Mundial.

 

Na década de 60, a Suécia desviou-se mais para a esquerda com a segunda geração de direitos humanos, ampliando e liberalizando a educação e o sistema de saúde universal. Estas medidas pediam cada vez mais a presença do Estado. Entre 1950 e 1990 o setor público ampliou 1 milhão de empregos e o setor privado praticamente estagnou. A solução para este aumento de gastos era sempre o aumento de impostos. Em 1993 a crise chegou e o país teve que rever todos os conceitos anteriores. Reduziu a participação do PIB nos gastos públicos de 67% para 49% e fez uma imensa revolução fiscal, reduzindo as mais altas alíquotas.

 

E as políticas sociais? Na educação os suecos introduziram escolas pagas pelo governo, mas geridas pela iniciativa privada e usaram o conceito de vouchers educativos. Mas a maior revolução veio na saúde. Estocolmo tinha seis grandes hospitais gerenciados pelo poder público. O maior deles o St. Gorans (São Jorge) passou a ser gerenciado por uma empresa privada, que fez uma verdadeira revolução, introduzindo conceitos de fluxos de pacientes, qualidade e lean healthcare, metodologia trazida da indústria (sistema Toyota de produção). Os outros hospitais logo seguiram o exemplo.

 

Este modelo tem transformado a gestão de saúde em alguns países pelo aumento assombroso da eficiência com redução de custos. Para se ter uma ideia, as filas sempre foram o maior problema do sistema de saúde sueco. Hoje, hospitais como o St. Gorans giram os seus leitos com menos de quatro dias - só como comparação, na Alemanha a média é de 7,5 dias. Isso reduziu tempos de espera e necessidade de novos leitos (construção de hospitais). A Suécia tem 2,8 leitos hospitalares para cada 1.000 cidadãos, comparado com 6,6/1.000 na França e 8,2/1.000 na Alemanha. Hoje o governo sueco compara e divulga os resultados de seus hospitais, premiando-os por seus resultados.

 

A Suécia tem os hospitais mais eficientes da Europa nos dias de hoje e isso se deveu a uma crise. Nós estamos passando por uma crise semelhante. Um Estado inchado e pessimamente gerido nos levou a este impasse. A primeira atitude é de acertar a arrecadação com a despesa. Há desperdícios incríveis no sistema de saúde brasileiro e uma imensa oportunidade. Os hospitais públicos brasileiros têm média de permanência indecente - alguns chegam a 20 dias.

 

Temos que reconhecer os méritos do Brasil de ter a saúde como direito fundamental da pessoa humana consagrado na Constituição de 1988. O SUS apresentou resultados expressivos, mas é forçoso reconhecer também que ainda estamos longe da visão generosa que os nossos constituintes almejaram. Diante da grave crise fiscal do estado brasileiro, novas e corajosas discussões se impõem.

 

A criação de forma mal planejada de unidades não hospitalares (UPAs) foi um exemplo de uma política cara e de pouco impacto. São estruturas caras, ineficientes e se tornaram substituto equivocado de hospitais, aumentando a mortalidade de pacientes internados nestes locais. Outra tragédia que aumenta o desperdício é a forma de descentralização feita nos últimos anos no País. O modelo de descentralização municipal está esgotado. A economia de escala, sabemos hoje, se correlaciona na área da saúde com melhores resultados clínicos e econômicos. Trabalhos feitos na Índia por economistas de Harvard comprovaram isso.

 

Além do mais, um modelo que muda gestores a cada quatro anos está fadado ao insucesso. Um bom exemplo é o desperdício de não utilizarmos estruturas semelhantes, porque uma só atende setor privado e outra só o sistema público. Estamos jogando dinheiro que não temos fora. Em Belo Horizonte caberia apenas dois bons serviços de cirurgia cardíaca, no máximo três hospitais de atendimento de trauma maior e não aproveitamos a sinergia que poderia haver entre o público e o privado, por razões extrainteligência. Um fato como este melhoraria a mortalidade da população com custos menores.

 

É óbvio que o governo investe pouco na saúde do País, mas se juntarmos este valor com o investimento privado temos 7% do PIB investidos. Precisamos e devemos urgentemente repensar nossos modelos de gestão. Essa crise é uma oportunidade de ouro. Ela expôs nossa grave ineficiência. Precisamos urgentemente de remédio para a saúde.

 

*Médico intensivista, com MBA em Gestão de saúde pela FGV e mestrado em gestão de tecnologias e inovação de saúde pelo Hospital Sírio Libanês de São Paulo